*[Post 'ecoado'
aqui]
Se ‘Kongo Blues’ ainda carecia de um
significado mais substantivo para mim, (re)encontrei-o hoje, num certo momento marcado por uma daquelas emocoes para as quais a intraduzivel palavra “saudade” nao parece ser suficientemente satisfatoria, prestando-se-lhe(s) melhor a palavra “blues”... .
Ultrapassado aquele momento, por caminhos invios, fui parar a este site que me transportou, tal como o tio Pepe no seu carro, todos os anos durante um certo periodo, a Damba: esse lugar que guarda o melhor de mim – nao nasci la' (na verdade nunca conheci a terra onde nasci acidentalmente, a Gabela), mas nao me consigo rever tao completamente noutra descricao/identificacao que nao a de “Muana Damba”...
Foi a primeira vez que a ela “regressei” depois do que parece ser uma eternidade (na verdade, essa eternidade comeca no inicio de 1980 quando, nos primeiros meses da gravidez do meu filho, fui 'a Damba visitar a minha avo - a minha mae e a minha tia encontravam-se entao a viver, respectivamente, em Portugal e Franca -, comunicar-lhe do meu estado e pedir-lhe os seus conselhos e aprovacao)...
[Foto daqui]
Descrever, entao, a torrente de emocoes que vivi nas cerca de duas horas em que literalmente imergi nas suas paginas e’, igualmente, algo que ultrapassa as minhas capacidades, pelo que, mais uma vez, so’ uma palavra me assiste: “blues”... E nao uns blues quaisquer: exactamente Kongo Blues!
Claro que a imersao vai continuar nos proximos tempos, mas por agora deixo aqui alguns registos do que por la’ encontrei.
Comecando por este extracto deste texto de Jose' Neves Ferreira:
Viva o tempo que viver nunca me esquecerei das manhãs do frio Cacimbo quando o nevoeiro envolve, como um manto diáfano, as gentes que passam na rua, as casas, as árvores,parecendo que tudo está mergulhado num sonho; nem do sabor de uma moambada de ginguba,comida numa reunião de amigos, nem do feijão da Damba, que era apreciado em toda a parte, ou das mobílias da Damba (e também do Camatambo) que se podiam encontrar tanto em casas de Luanda como em longínquos postos administrativos; ou ainda do “Cristo da Damba”, esculpido por um artista que morava no Bairro da Missão, e se vendia a bom preço nas lojas de artesanato;como também das largas paisagens formadas por cadeias de morros e colinas que admirava nas viagens para a Lemboa ou das amplas planícies e chanas do itinerário que, por Chimancongo, se alcançavam as Fazendas, e das quais sentia emanar uma inefável sensação de liberdade, quando contempladas de cima do tejadilho da carrinha.
... que me fez ir buscar ao fundo da gaveta este poema, escrito ha' ja' alguns anos e que me parece inacabado (nao consigo encontrar a sua versao original, que me parece diferir algo desta - digamos, entao, que e' ainda um "projecto de poema"):
Damba
['A Memoria do meu Avó (nKaka), (Mbuta Muntu)Pedro José de Faria Túfua de Agua Rosada]
Início
que te torna Pedro:
som
pétreo Cedro
indeclinável
ao Tempo
distância
mudo Vento
intraduzível
à Memória
ausência
remota Glória
inconfessável
à Fala
vida
silente Bala
indizível
à Pele
Sangue que te inviabiliza a Safra:
Lavra
incansáveis corpo, alma
insaciável
Sanga
moída magoa ao rumor d´aguas
no domingo
Transmutação
que te torna quase o Norte:
Terra
indefiníveis goiabas, cambumbú
inconfundível
Encanto
maturação do safú no cacimbo
Silêncio
que te torna Pressentimento:
Incenso
inextricáveis cruzes, terço
imperdoável
Cálice
Projecto vencedor da morte
na Igreja
Damba
(…)
[
'Tia Ana Velha Mulata']
Mas, continuando com as memorias de Neves Ferreira:
Mas do que tenho ainda mais saudades é das gentes da terra, com quem convivi. Desde os meus companheiros de escola, com as nossas fugidas para mergulhos na represa da Granja da Administração – o nosso mundo mágico de encantar qualquer miúdo --, até as gentes que encontrava nos caminhos e picadas onde andei e deambulei. Recordo o nosso Alfaiate Paulo, o Soba Manuel Kituma, o João Ajudante de carrinha, o Técnico do Combate à Tripanossomíase Manuel Tungo, o Enfermeiro Francisco Rómulo o Funcionário Administrativo Laurentino, o Manuel Bengue, o Pedro Faria, suas irmãs (meus colegas de escola) e os seus Pais, bem como tantos e tantos outros. Outrossim, dos Padres e Madres da Missão Católica da Damba, com a sua acção de entrega total ao serviço de toda a gente – a verdadeira mensagem de Jesus, o Cristo – e nomeadamente o paradigmático Padre Rafael a quem tinha uma grande amizade…
De onde destaco especialmente esta passagem:
“Pedro Faria, suas irmãs ( meus colegas de escola ) e os seus Pais.»
O Pedro Faria e’ o meu tio-padrinho Pepe (a que me refiro no inicio e que ainda ha’ dias aqui recordei) e as suas irmas sao a minha mae e a minha falecida tia, sendo os seus pais, obviamente, os meus avos maternos (fotos acima).
Exceptuando o tio Pepe (a quem dedico uma foto-reportagem especial no fim deste post), todos eles podem ser vistos tambem na foto abaixo (que ja’ ha’ algum tempo aqui postei), onde tambem se pode ver o Dr. Morais Martins, cuja obra sobre o seu trabalho na Damba e’ amplamente reproduzida no site e da qual destaco este extracto.
Depois… a evocacao dos cheiros e ambiencias (... cacimbo, nevoeiro, terra molhada, as lavras, a ginguba acabada de arrancar, o colher e o descascar do feijao, fumo de forno a madeira, moamba de ginguba e de galo... enfim, a magia encantatoria... os sabores, odores & sonho da Damba... ) e uma serie de nomes familiares, como Kiame, Rescova, Romulo, Mbuta, Benge, Vemba…
E o
Bispo Dom Afonso Nteka. Melhor do que eu alguma vez aqui o poderia fazer, a sua autobiografia, publicada em livro antes do seu tragico falecimento num acidente aereo, diz o quanto o ligava a minha familia: nele ele incluiu uma foto dos meus avos maternos, a quem tratava por pai e mae, tendo a eles dedicado algumas palavras, rendendo-lhes assim a sua homenagem pessoal.
Mas, infelizmente, tendo percorrido ansiosamente as
galerias de fotos e videos da Damba la’ expostos, em nenhuma delas consegui ver (ou reconhecer) a nossa casa… Ficava em frente a Igreja da Missao Catolica – desta sim encontram-se algumas imagens…
Enfim, depois de todas as emocoes que hoje vivi, a par do "blues", (re)descobri tambem o verdadeiro significado da palavra "afectos"...
Ode ao Ti Pepe'
pelo meu apadrinhamento
pela minha xara'
pelo oh soleil, soleil...
quando o sol nascia
a caminho da Damba
pelo tombe la neige
e toda a musica que sei e de que gosto
especialmente pelos Francos e Rochereauxs
pelo primeiro soukous que dancei
pelo primeiro malavo que bebi
e em que sonhei acordada
por todos os funges (especialmente os de carne seca e os de bagre fumado com moamba de ginguba) e kizakas e os (imprescindiveis!) feijoes de oleo de palma
com farinha e banana
pela joie de vivre
por tudo quanto entendo ser o mais puro, sublime, profundo, genuino afecto.
['Santa']