No meu Dia Internacional da Mulher

Epifania


(À sombra de Vultures e Things Fall Apart de Chinua Achebe
'The Grandfather of African Literature')





Prólogo

Rompeu-se o véu
entre corpo e alma
- sim, o braço conseguiu
mas o corpo
esse, jaz na lama
- sim, a alma venceu
mas o olho
esse, não gostou do que viu


['Com Alma']




I.

Vergo o corpo
apedrejado
sob o sol
escaldante
estendo a mão
vacante
entre o torpor da dor
e o desespero da despedida
e logo a recolho
mordida
pelo misógino cão negro
tinhoso
complexado
psicopata
dominante
da matilha
ladrante
e esquartejada á catanada
pela assassina
pornógrafa ninfa branca
orgíaca
lésbica
ninfomaníaca
esquizofrénica
tirana
neo-nazi
reinante
da multidão
delirante

Com sua raiva selvagem
perseguindo lúgubres orgasmos
sobre o meu corpo estraçalhado
para me amputar o génio
e a identidade
me extirpar a serenidade
e o sorriso
e engolir para sempre
minha alma
pura e frágil


Mas não cometo
um suicídio
em grande estilo
pelo atrevimento
prossigo de pé
face à campanha
o calvário
da minha caravana
itinerante

Dou a outra face
estendo a outra mão
vacilante
tento soltar a voz
murmurante
mas logo emudeço
sob o grito
lancinante
de ira
de uma matriarca negra
autofágica

sorry excuses for women

(Mulheres?)

Invento o silêncio.




II.

Abro os olhos
às Mães de Maio
desalmadas
expiando gravidezes
desamadas
às Filhas da Dipanda
Anas com patentes
de Major
aprisionadas
carpindo orfandades
e viuvezes
denegadas
curtindo violações
desonradas
urdindo elocubrações
desbragadas
sobrevivendo explosões
mutiladas
engolindo agressões
abusadas
fazendo reuniões
usadas
desfazendo uniões
humilhadas
expressando visões
enxovalhadas
descrendo paixões
objectificadas
coleccionando desilusões
enciumadas
quebrando tradições
enfeitiçadas
colhendo difamações
estigmatizadas
cuspindo maldições
enlameadas
defendendo reputações
desprezadas
perdendo razões
emperucadas
evitando rejeições
desfrizadas
forjando crispações
frustradas
desaprendendo canções
desafinadas
disfarçando inaptidões
kabungadas
acumulando formações
desempregadas
truncando vocações
subestimadas
contendo pulsões
ressabiadas
cultivando solidões
desfeiteadas
sofrendo depressões
silenciadas
cumprindo obrigações
odiadas
contando tostões
desesperadas
perdendo habitações
desalojadas
suprimindo emoções
complexadas
terçando orações
excomungadas
(Fêmeas?)

Ouço o silêncio.




III.

Seco as lágrimas
estanco o sangue
parto o gesso
quebro as grilhetas
tiro a vergonha
arranco a máskara
da mátria krioula
erguida sobre bordéis
em mucekes
e kraals
cercados de aduelas
de pipas de vinho baptizado
e sacos de fuba
e peixe podre
Joana Maluka
novo-enriquecida
de barris de petróleo
encrustados
de diamantes de sangue
Rosa do Kinaxixi
exaurida
amaldiçoando filhos
bastardos
e vociferando-lhes
elogios
fúnebres
mean-spirited
pobres e insignificantes
criaturas rejeitadas
while their afrikan
assimilated
idiot men-boys oversee
in their obscene
palaces of gold
brand new flashy
sports cars and SUVs
white girls
and misguided
violent masculinity
the raping soiling and butchery
of their own
women
mothers
and daughters

E porrada nelas
se refilarem!






Conto nos dedos
da mão restante
um a um
cada século
of the half a millennium
of alien rape and murder

que as verga aos algozes
lhes despe o corpo
de alma
lhes rouba a dança
de espírito
lhes mbaka o útero
de Amor
lhes destitui o cérebro
de seiva
lhes esvazia a mente
de memória
lhes vaga a face
de riso
lhes amarga a boca
de fel
e lhes veste a ignorância
de arrogância

Renovo a vontade grande
de ter respostas
da concha de mãos
com água
aos lipele
e às bocas de pedra
dos deuses
(Revolta?)

Rompo o silêncio.




IV.

Mbuta Muntu
chega lento
num rumor de águas
no kacimbo
de sua longa ausência
de séculos
no Kulumbimbi
convoca os Nkisi
sobre a Pedra do Feitiço
desmantela a lusotropical
Comissão das Lágrimas
dispersa o Bando
lembra-lhes de
Valores e Princípios

Chama Tia Ana Velha Mulata
junta a Nkanda
mães e filhas
mães solteiras
surdas-mudas
mulheres feitas
de apenas
ao domingo
doentes
longe da cidade
enterra
the white man's knife
afiada
que as cortou àparte
inebriadas
à mingua de amizades
tristes

Limpa-lhes chagas
sara-lhes feridas
desfia-lhes terços
desfaz-lhes cruzes
arranca-lhes espinhos
tira-lhes perucas
desmancha-lhes tissagens
friza-lhes desfrizos
faz-lhes tranças
lava-lhes a boca com mel
dá-lhes banho de chuva
estende-lhes o rio
sobre corpos e almas
dá-lhes a trincar da kola
dá-lhes a comer do gengibre
dá-lhes a beber da sanga




Restitui-lhes a identidade
restaura-lhes a honra
reconstitui-lhes o plasma
ata-lhes os laços
reata-lhes o afecto
recobra-lhes o sorriso
recupera-lhes a fala
reencontra-lhes as pérolas
devolve-lhes o sonho
reaviva-lhes a auto-estima
renova-lhes a esperança
cobre-as de panos do Kongo
senta-as ao colo
à sombra
da Árvore Sagrada

Fecha-lhes os olhos
e deixa-lhes saber da zanga
of vultures and ogres
da precaridade do amor
and of the perpetuity of evil
(Epifania?)

Reinvento o silêncio.





Epílogo

This is coast country, humid and God-fearing, where female recklessness runs too deep for short shorts or thongs or cameras.

Sometimes the cut is so deep no woe-is-me tale is enough. Then the only thing that does the trick, that explains the craziness heaping up, holding down, and making women hate one another and ruin their children is an outside evil.


[Toni Morrison in Love]





© K. (2011)









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